Velha não; antiga e com muito óleo prá queimar!
Como é legal rodar com motos clássicas entre as montanhas… Confira o relato do nosso amigo Marcelo Vigneron que viveu uma experiência fantástica no domingo, 23 de agosto.
“Um velho amigo inconformado com o fato de eu manter o mesmo carro depois de muitos anos me veio com essa: “-Pô Marcelo, tá louco cara, você gosta de coisa velha hein…!” Eu ouvi, pensei um pouco e entendi uma das minhas motivações para este gosto: “-Eu gosto de carro usado porque ele já vem com os riscos…” Brincadeiras à parte, esta lógica estranha à primeira vista, indica que os carros e as motos são feitos para rodar e ao longo do tempo vão adquirindo suas cicatrizes e marcas da idade assim como a gente. Se o meu carro ou minha moto já tem algumas marcas de uso eu me sinto muito mais à vontade para usufruir todo o prazer que podem me dar, rodando muito, com os devidos cuidados é claro, mas sem a neurose que acompanha quase todos os obcecados por veículos zero km.
Amigos e suas motos reunidos ao pé da serra da Mantiqueira, rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, preparando a subida para Santo Antônio do Pinhal |
É com um pouco desta liberdade de aproveitar tudo o que uma boa máquina foi projetada para fazer que eu costumo cumprir o rápido ritual de acordar o motor da minha Honda XLX 250R safra 1990. 30 aninhos em cima das rodas e ainda com atitude de garota nova. É baixar e subir o pedal com calma e jeito até sentir o motor mais leve, puxar o afogador (he,he,he…sim, isso existe!), virar a chave da ignição e só depois, com fé e sem medo, dar uma decidida e longa “patada”! Tu,tu,tu,tu,tu,tu….se você fez tudo certo, a gasolina for boa, o carburador estiver regulado, a vela em ordem…o velho e fiel monocilíndrico desperta com aquele som rouco, grave e inconfundível. Seria injusto esconder que o prazer de ter e rodar com uma clássica também passa por este momento tão comum para quem tem uma moto moderna e “normal”.
Agrale 30.0 Elefantre e Honda XLX 350R, ícones do motociclismo brasileiro off road nos anos 80 e 90 |
Alguns minutos para espantar a friaca matinal do inverno em Campos do Jordão e a minha coroa enxuta já está no rumo do encontro organizado pelo amigo Daniel do @motosde80e90. A ideia é percorrer cerca de 150 km em estradas de montanha saindo de Caçapava, passando por Taubaté, Tremembé, Santo Antônio do Pinhal, Monteiro Lobato e chegando em São José dos Campos, pela estrada velha de Campos do Jordão. Motos antigas numa estrada de traçado antigo. Cheia de curvas, túneis de mata, subidas e descidas, paisagens de tirar o fôlego, cenário ideal para rodar naquela velocidade mais lenta onde é possível esvaziar a mente dos problemas do dia a dia, sentir o vento, o sol e os aromas vindos do campo. Teve gente que veio de São Paulo com XLX 250R, Agrales impecáveis Dakar e Elefantre da terra da Embraer, Xiselona 350 de Taubaté, as caçulas da frota, duas Honda CG 160 e até mesmo as novinhas Kawasaki Versys e Ninja 300. Tudo junto e misturado num grupo animado, sem preconceitos nem frescuras ou medo de ser feliz. Tinha garoto novo em montaria antiga e tinha garoto velho que assim como eu conheceu um outro tempo esquisito, onde usar capacete era questão de opinião.
Nossas clássicas tomando um sol de inverno na histórica estação ferroviária de Eugênio Lefèvre em Santo Antônio do Pinhal/SP |
Rodando feliz e relaxado neste domingo de sol a minha mente foi absorvendo a mistura dos roncos graves das Hondas com o som agudo das Agrales, o cheiro único do óleo 2 T se dissipando à minha frente nas curvas da serra, o ballet harmônico do grupo de motos rodando sem stress, tudo funcionando como uma poderosa máquina do tempo, conjurando uma enxurrada de memórias, emoções e pensamentos lá do fundo da passagem da infância para a adolescência e juventude de quem viveu com intensidade o início da popularização do motociclismo no Brasil, entre meados dos anos 70 até o começo da década de 90.
Parada para apreciar o visual único da serra da Mantiqueira com a famosa Pedra do Baú (município de São Bento do Sapucaí/SP) ao fundo |
Um rolê desta qualidade só poderia fechar com saborosas conversas à volta de uma mesa servida com a boa comida caseira da cidade de Monteiro Lobato, mas na falta de uma mesa de verdade, nestes tempos de pandemia, a solução clássica foi o velho e bom estilo estradeiro raiz, com o marmitex no colo, talheres de plástico e aquele tempero que só entende quem ama de verdade estar na estrada em duas rodas, compartilhando este prazer com os seus pares. Agora que já foi dada a largada é dar um trato nas máquinas e se preparar que logo mais tem outra!”.
Marcelo Vigneron é fotógrafo, historiador, viajante e motociclista há 44 anos. Há 10 anos participa profissionalmente em expedições de moto pela América do Sul, Brasil e também é colaborador no programa de viagens de moto Honda RedRider com base no estado do Acre.
Jornalista Especializado em veículos e mobilidade. Editou a revista Duas Rodas, foi colunista do portal UOL e criou publicações como Revista Ordem de Serviço e edita atualmente a revista MotoEscola.
Adorei o poético texto , refletiu bem o clima saudosista vdo passeio, pessoas diversas com motos diversas em uma gostosa sintonia de paixão pelas duas rodas clássicas.
Mal posso esperar pelo próximo encontro.
Parabéns a todos…
Parabéns pelo belo encontro e passeio, com atmosfera retrô e que nos remete ao bonito tempo de outros valores e paixões.
O texto representou bem o que foi vivenciar esse passeio com as clássicas.
Clássicas são inigualáveis. Parabéns pelo texto. Fico vendo(e babando) nós vídeos das clássicas Kawasaki Z 1000, Yamaha XJ 750, CB 900, Suzuki GSX 750, Moto Guzzi SP 2, entre tantas outras trails anos 80/90.