A Geração Z e as motos
Não é de hoje, o conflito entre as gerações sempre esteve aí. Me lembro de meus avós reclamando que assistíamos muita televisão, que isso ia fazer mal “pra vista”! Nem era tanto que assistíamos, tivemos uma infância na rua: bicicleta, Mobylette, fogueira, taco, carrinho de rolimã, patins, ioiô faziam parte do nosso dia a dia. E hoje, vemos as crianças com a “cara grudada” nos celulares e pensamos: isso vai fazer mal pra vista! Eles são representantes da Geração Z, nascidos entre o final da década de 1990 e 2010, convivem com a tecnologia desde criança e são chamados de nativos digitais.
O Tiozão Poluição
É fato que, a turma nova que está ai, tem uma preocupação ambiental enorme. Meu sobrinho de 18 anos me chama de “Tiozão poluição” – também pudera, ou o tio tá acelerando motos dois tempos, ou carros com motores de 3, 4 ou 5 pares de cilindros, enormes e naturalmente aspirados! Essa tal Geração Z, já veio com essa preocupação ambiental “de fábrica”, se preocupam com o canudinho do refrigerante e enxergam no carro elétrico a grande solução. Lembrando que os elétricos não são nenhuma novidade, o Gurgel Itaipu E-800, nacional de 1981, já era elétrico – e também, em 1890, isso mesmo, há 130 anos, já havia elétricos rodando nas ruas. Mas isso pouco importa, os elétricos daquele tempo não tinham apelo ambiental, hoje têm. As motos elétricas estão chegando também…
O tablet substitui o velocímetro.
Fatalmente, elétricos, híbridos ou alguma nova variante, goste você ou não, terão mais e mais “lugar ao sol”. Os jovens da Geração Z que efetivamente se interessam por motocicletas (são poucos), têm contato com uma geração de motocicletas que também evoluiu, se conectou, ajustou-se à tecnologia atual e ao gosto deles. Se para mim e para você subir em uma moto que tem um tablet no lugar do painel é estranho, lembre-se que a Geração Z está com celular nas mãos desde seus 10 anos, ou até mais cedo. Tudo virou eletrônico, há uma camada de computadores entre você e o mundo, e também entre seu corpo e os pneus da moto. Se você acelera, o computador recebe o comando e informa ao motor o quanto deve acelerar, fazendo os devidos ajustes pra consertar seu eventual erro. A mesma coisa quando freia! E se acelerar muito, suficiente pra levantar a frente da moto? Calma, tudo sob controle, o controle de tração vai deixar a roda dianteira em contato com o asfalto. Há informação de tudo! Temperatura, previsão do tempo, mapa em 3D, distância, autonomia, trânsito a frente, rotas alternativas, pressão dos pneus, temperatura do assento, das manoplas, altitude bla bla bla bla bla.
O que ficou pra trás?
De fato, ao passo que boas soluções vão aparecendo, outras vão sumindo. A nova geração vai pilotar suas motocicletas sim, mas não vai conhecer o prazer de encarar a estrada apenas com um guidão e o velocímetro na sua frente. Sem relógio de horas, sem termômetro de temperatura, apenas sentindo a motocicleta, suas vibrações, seus sons. Não vai saber como é enrolar um cabo, literalmente, e sentir as borboletas dos carburadores se abrindo, exatamente no ritmo ditado pela sua mão direita.
Absolutamente não saberão como é simples e divertida uma partida no pedal. A relação com a moto antes da partida, puxando o afogador, bombando o acelerador, abrindo a torneira, achando o PMS (Ponto Morto Superior) e saber o momento certo de dar aquela patada no pedal com vontade, sob o risco de levar um tranco e ganhar uma mancha roxa na perna ou ser jogado por cima da moto. E tudo isso com o pessoal da escola ou do barzinho olhando – sim, nós motoqueiros sempre fomos observados…
Não saberão como é ter que manusear a torneira, rapidamente, quando a moto “entra da reserva”, se estiver na estrada ultrapassando o caminhão a coisa fica mais emocionante… Calcular mentalmente os quilômetros sobrando no tanque e faltando pro próximo posto de combustível. Tão pouco conhecerão aquele truque de deitar a moto para “pescar” o que restou de gasolina no tanque e, milagrosamente, chegar até o posto…
Nem ruim, nem bom – apenas diferente.
Os que vieram antes de nós, podem afirmar que o prazer era ligar um antigo Ford na manivela, e nós nunca experimentamos tal situação. Já nascemos dando partida nos automóveis através da força da bateria, então, não da pra dizer que era melhor, ou pior, apenas diferente – bem diferente.
Pra onde vamos?
Se viajar “sem lenço e sem documento” ficou pra trás, atualmente todos sabem onde estão seus familiares, os pilotos sempre conectados a suas motocicletas acompanhando tudo a distância, há botão de emergência… Pra fazer uma verdadeira aventura o motociclista de hoje deve se embrenhar nos desertos digitais, países da África central, Himalaia, Namíbia, Mongólia, Rússia, centro da Ásia etc. Se na nossa visão a moto vem se tornando cada vez mais insossa, qual o futuro dela? Pra onde vamos? O que mais será automatizado e nos afastará do motociclismo puro, aquele com vento no peito e que o maior temor é a água que escorre no cofrinho quando chove?
Aos 51 anos, Diego completa 38 intensos anos de motociclismo! Colecionador detalhista e aficionado por motos clássicas, principalmente as dos anos 1980. Ultrapassando a marca do 1.000.000 de km rodados – Seja como piloto de testes da revista Duas Rodas, aventurando-se pelo mundo em viagens épicas e solitárias em motos super-esportivas ou quebrando recordes de distancia e resistência sobre a motocicleta onde conquistou 18 certificados internacionais “IronButt”.
A evolução é um caminho sem volta. O que parece novidade hoje, daqui 30 anos estará obsoleto.
Lembro-me do salão do automóvel de 1981 (nem moto eu tinha); no stand da Honda reluzia uma XL250R branca, numa plataforma giratória e alta… as pessoas se acotovelavam pra vê-la de perto; lembro-me de um camarada falando para outro: “que beleza, olha o curso da suspensão dianteira”…
Mal sabiam que, em 1988, a Yamaha ia surpreender com uma trail de 600cc, que botava qualquer XL no bolso, em termos tecnológicos e potência.
Hj, a XL250R já é uma moto nostálgica (recebi uma idêntica, para restaurar).
Tenho Cagiva Supercity, Super Tenere, Fusca, Escort XR3, Peugeot10, Caloi10… alguns torcem o nariz; outros aplaudem. Enfim, tudo é questão de gosto e também de adaptação (dos mais velhos) às novas tecnologias.
Talvez, em breve, os jovens que já nascerem em meio aos elétricos acharão estranho o barulho dos motores 2T ou 4T, como a gente achou estranho que as pessoas conseguiam viajar num Ford T e/ou naquelas estranhas Harley Davidson, Indian, etc, cujo câmbio era na mão e o farol era à luz de carbureto.
Assim é a evolução.
Abração!
😉
Ótima crônica Diego, como sempre! As habilidades e valores mudam com as gerações, mas prefiro a sensibilidade e poder de improvisação que obtivemos forçosamente.
Muito legal. Me fez também lembrar do primeiro caminhão do meu pai, um antigo Ford Alemão, que incontáveis vezes o vi “fazendo pegar” na manivela. E da minha primeira moto, uma Yamaha RD 125, bicilíndrica, com dois carburadores. Quando tudo funcionava era uma beleza. Até hoje o perfume do dois tempos permanece entranhado em algum fundo do meu cérebro. E nas minhas costas também
rsrsrs. Realmente, não tem preço.
É bem por aí, a nova geração mudando o mundo. Se antes não víamos o dia de completar 18 anos e tirar a sonhada habilitação, hoje já não é mais na mesma velocidade que isso acontece. Vejo filhos(as) de amigos meus, com 20 anos de idade e nem dirigir sabem, e nem preocupados com isso estão. Show de matéria.
Excelente texto, concordo totalmente com a sua visão de que não é “nem ruim, nem bom”. Mas, tem tecnologias que fico pensando como, literalmente, vivi tanto tempo sem, como o maravilhoso pinlock, que realmente faz a diferença na segurança e que, apesar do custo, só traz benefícios…
Muito bom seu artigo. Tenho 52 anos e assim como você já aos 10 anos sabia pilotar uma moto e dirigir um carro. As motocicletas e carros para nossa geração eram os nossos maiores desejos. Como você bem falou para nós esse era o estilo de vida que nos moldou… Totalmente diferente da geração atual. Acho que uma diferença importante é que nossa geração julgava menos as anteriores… Mas é uma impressão… Resta a nós conservar enquanto podemos a memória e história através dos carros e motos. Infelizmente não tenho nenhuma motocicleta antiga mas tenho planos… Mas consegui manter um Fiat 147 GLS 79, uma Caravan 1979 Standart e um Escort XR3 88… Sem dúvida dirigir esses carros é a coisa mais legal que eu faço… Legal que minha filha de 8 anos adora muito mais os antigos do que os novos… Prefere muito mais ir com eles para o clube, escola, passear… E acredito que vai manter e curtir esses carros por muitas décadas quando eu não estiver mais aqui.
Gostei muito da publicação. Sou um misto das duas gerações. Nasci em 1996, mas sou um feliz proprietário de uma CBX 750 e de um Monza, além dos muitos objetos antigos. Uma boa parte da minha vida foi trabalhando com restauração e manutenção de motos antigas. Por muitos sou considerado uma pessoa “fora da curva” para a idade. Acompanho as postagens aqui da página, e, como foi falado na sua publicação, já não existem mais jovens que dão valor ao que é historico. Gosto de preservar as coisas como elas sempre foram. Não posso negar que também sou um amante da tecnologia e gosto de acompanhar a evolução das coisas, mas meu sonho é ter uma coleção de carros motos antigas e manter vivo o que é o princípio no futuro. Desde que me conheço por gente, já acompanhava muito o antigomobilismo. Todos na família sempre foram muito ligados com carros, motos, etc. Meu avô era preparador de DKW’s na época que existiam as corridas em Interlagos com a pista de terra. Acho que tudo isso está infiltrado no meu DNA e agradeço muito por não me considerar parte dessa geração Nutella.
Bem realista este artigo. Tenho 60 anos ( e espero mais uns 40, rsrs) e aos 12 Anos já tentava dirigir um Jeep Willys do meu pai, naquela época na minha região não existia moto, que me recordo algumas Lambretas e “Motociclos”, a soluçao foi andar de bicicleta ate que em 1980 consegui comprar uma ML 125, era o máximo, hoje tudo ficou mais fácil para adquirir uma moto, mas as novas gerações na maioria não tem muito interese em motos, mesmo com toda a tecnologia que elas carregam.
Eu particularmente prefiro as motos e carros raiz, mas concordo que em matéria de conforto, praticidade e eficiência as motos e carros de hoje são melhores.
Ainda hoje ando de Jeep Willys, VW Brasilia, XL 250R, XLX 350 e Agrale é muito mais prazeroso que andar em carro e moto onde a tecnologia que eles carregam diz o que você deve fazer.
É uma pena que principalmente no Brasil a maioria dessas novas gerações não dão muito valor para carros e motos mais antigos.