Muito legal! Mas ninguém compra.
Avaliar carros e motos antigas não é uma coisa simples. Para tanto existem pessoas com experiência suficiente para tal, que já compraram e venderam muito, que já erraram e acertaram. A conta, é claro, leva em conta todos os fatores que você já sabe, ligados à originalidade, mas também o fator emocional. Vamos entender isso ao longo do texto.
Avaliação – “começar pelo começo”
Quando vamos ver uma moto pra avaliar, seja pra nós mesmos ou para terceiros, uma série de itens devem ser levados em conta, desde os mais básicos como documentação por exemplo.
Não imagine você que não da pra comprar sem documentação. Não é sempre que a gente quer comprar e usar a moto, algumas podem apenas decorar. Se você achar uma Jawa 1929 pra comprar, possivelmente ela não terá documento e você não vai rodar com ela. Porém, em linhas gerais, procuramos sempre motos com documentação em ordem, sem atrasos, no nome do vendedor e com recibo em branco, com todos os débitos quitados. Qualquer coisa diferente disso, resultará em maiores gastos e consequentemente reduz o valor a ser avaliado.
A moto em si
Quando formos falar da moto em si, vamos ver a pintura do kit, do quadro, do motor, seus parafusos, juntas – todo e qualquer indício que já foi mexida de forma inadequada vai reduzindo valor. Manutenções e desgastes normais não depreciam em nada, pelo contrário, um bom histórico de manutenções, se devidamente catalogado, valoriza demais a moto. Se é original de fábrica, demonstrando nunca ter sido desmontada e nem ter sofrido alguma intervenção importante – ponto pra ela. Caso tenha sido restaurada, não há problema, dependendo do nível da restauração (as vezes a gente vê umas reformas de tão baixo nível, que não da pra considerar uma restauração).
A milenar regra da oferta e procura
Então, aí está o ponto chave da conversa. Há que se analisar toda a questão que eu chamei de “emocional” da moto. Vou dar um exemplo:
Quando em 1986 nosso mercado ainda fechado para importações e a Honda e a Yamaha conseguiram trazer, nacionalizadas (ou quase isso) a CBX 750F e a RD 350LC foi um grande alvoroço. A moto era desejada e apenas uns poucos abastados puderam colocar suas mãos nelas, todos os demais ficaram chupando o dedo… 35 anos depois, os chupadores de dedo estão em melhor condição financeira e podem realizar o sonho. Qual a primeira moto que vem a cabeça? Justamente…
Por essa mesma razão, não se pode tomar por base o mercado de clássicas na Europa e Estados Unidos. A Honda CBX 750F em 1986 era “apenas uma entre tantas” praquelas pessoas, e elas não pagam fortunas pra ter uma moto dessas.
Esse caso se repete, tal qual, com os carros. Volkswagen Gol GTI por exemplo… Não é mesmo?
No lado oposto, imagine por exemplo, em 1994, 95 – a importação já havia sido aberta, já recebíamos “motos grandes” aqui em quantidade razoável pra saciar a vontade de muitos, a paridade Dólar x Real era de R$ 1,00 para USD 1,00 e entre outras tantas recebemos uma moto simplesmente fantástica e muito gostosa de pilotar, a CBR 1000F.
Não há, absolutamente, comparação entre uma CBX 750F com seu motor a ar de 82 cv e uma CBR 1000F com motor “a agua” despejando 135 cv. Sem falar da tecnologia de freios combinados, carenagem integral (conceito Aero). Mas, lembra? O “desejo de consumo” era a CBX 750F, portanto, hoje, a CBX atinge valores muito, mas muito maiores mesmo do que uma CBR 1000F.
Quer mais um exemplo? esse mais emblemático ainda:
A pergunta padrão do visitante
Quando recebo algum amigo na coleção, normalmente em sua primeira visita a pergunta “qual delas você não venderia” se faz presente. Neste momento estou compondo a coleção, então a resposta seria – nenhuma delas. Mas, vez ou outra eu brinco: – aquela ali ó – apontando pra Yamaha GTS 1000. Como eu já tinha apresentado as motos antes e mostrado o quão fantástica é aquela moto, com motor conceito gênesis de 20 válvulas, suspensão mono braço dianteiro, injeção eletrônica de combustível, catalizador, quadro Ômega em alumínio, enfim, uma raridade. Essa é raridade mesmo, são cerca de 2.000 unidades fabricadas no mundo e apenas 3 no Brasil. A moto é sensacional, funciona muito bem, confortável, já me levou pra boas viagens com garupa, com suas malas laterais.
Neste momento o visitante pergunta: – ah é claro que não vende, né? ela é raríssima, deve valer uma fortuna! – e nesse momento eu, em tom de brincadeira, completo: – não vendo essa moto por uma razão simples, ninguém compra ela.
E de fato, o universo de pessoas num país como Brasil, disposta a comprar uma Yamaha GTS é muito pequeno. A grande maioria das pessoas nem conhecia a moto até @motosclassicas80 divulgá-la. – Quem não é visto não é lembrado!. Muitos teriam medo de comprar uma moto assim, temendo manutenção pesada (ela não dá despesa alguma), se eu um dia anunciasse uma CBX 750F 86 e uma GTS 1000 – a CBX pelo dobro do preço da GTS – a CBX seria vendida na hora e a GTS seria aquela “raridade” que a turma compartilha com os amigos como curiosidade, mas na hora do vamos ver – ninguém compra!
Claro, ninguém, ninguém, também não é verdade. Existem colecionadores que gostariam de tê-la em suas coleções, e certamente em algum momento acabaria vendendo por um preço legal até, mas são compradores muito específicos, e um grupo muito pequeno em um país como o nosso. Se estivéssemos na Europa, onde o comércio de veículos usados entre países é permitido (simplificado inclusive), onde a renda per capta é alta, onde há uma cultura secular pela motocicleta, onde existe museus e coleções particulares incríveis – certamente a venda seria mais fácil e ela atingiria um preço justo.
Portanto, não se iluda. Se você tem uma “raridade” incrível guardada aí, moto que poucos conhecem, que é raríssima no país etc e tal… Não imagine que ela valerá fortunas tomando como referencias as “best seller” do momento – Ah, se estão vendendo uma CBX por tanto, a minha Yamaha FJR 1200 vai valer tanto. Na prática a teoria é outra!
Mas, estamos aqui pra colecionar, curtir aquelas motos que desejamos na infância, ou que contam parte da história do motociclismo, motos que fazem sentido pra gente e não motos que vendem bem. Por isso, a preocupação do “quanto vale” fica pra outro momento, mesmo porque – nada esta a venda!
Aos 51 anos, Diego completa 38 intensos anos de motociclismo! Colecionador detalhista e aficionado por motos clássicas, principalmente as dos anos 1980. Ultrapassando a marca do 1.000.000 de km rodados – Seja como piloto de testes da revista Duas Rodas, aventurando-se pelo mundo em viagens épicas e solitárias em motos super-esportivas ou quebrando recordes de distancia e resistência sobre a motocicleta onde conquistou 18 certificados internacionais “IronButt”.
Taí uma parada difícil. Sem $$$, não dá mesmo, pois eu sou daqueles que com saldo bancário nas alturas, já iria atrás de algumas “naves”, tipo a própria GTS 1000, Kawasaki Z1000 MK2, Moto Guzzi Breva 1200, entre outras. Mas realmente é lamentável que fábricas ou seus representantes no Brasil, não façam a propaganda que essas máquinas merecem. Triste esse pífio marketing.