Um Passeio Revoltante
Final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, o Veteran Motorcycle Club do Brasil estava com tudo. Fundado por José Carlos Caldeira, o Zeca Caldeira, reunia o que de mais antigo existia no Brasil sobre duas rodas.
Caldeira, um gentleman e ao mesmo tempo um figuraço, começou a andar tardiamente de moto, aos 44 anos de idade, quando comprou sua primeira moto, acredito que era uma Yamaha YA7, em 1970. Mesmo na época, esta Yamaha que vinha por importação independente já parecia mais antiga, algo dos anos 1950/60.
O cheiro do óleo 2T queimado e o prazer ao pilotar conquistaram Caldeira, que manteve esta primeira Yamaha até o final de sua vida (faleceu em 2018 aos 92 anos), ao lado de mais de uma dezena de motos altamente colecionáveis.
Com sua simpatia, Caldeira reuniu muitos entusiastas pelas antigas e fundou o Veteran, um clube muito ativo e divertido.
E um pessoal que gostava de estrada, colocando todas as raridades para rodar. Claro, com as limitações da idade das motos, algumas até dos anos 1920. Organiza passeios aos domingos, claro que curtos, saindo de São Paulo e indo até ao Pico do Jaraguá. No máximo iam até Cotia ou Embu das Artes, com ida e volta nunca passando dos 60 km rodados.
Eu estava na revista Duas Rodas e ia a vários destes passeios, sempre um belo espetáculo visual: o cheiro do óleo queimado (não só dos 2T, mas também dos velhos motores 4T que sempre queimavam óleo), o visual daquelas velhas senhoras e muitos pilotos vestidos a caráter, alguns até com capacete de couro… Parecia uma volta no tempo.
Saiamos bem cedo, havia um belo almoço cheio de histórias (e algumas mentiras) e à tarde voltávamos felizes.
Às vezes eu ia com uma Vespinha M3 (três marchas, 150 cc, 2T claro), que eu tinha na época, mas o pessoal já achava ela muito veloz, pois passava de 90 km/h nas descidas.
E o passeio acontecia a 30/40km/h, em longas descidas chegava aos 60 km/h. Quando eu ia com alguma moto de teste que mal havia sido lançada, só era tolerado por ser jornalista e pelo fato de já ser amigo da turma. Com motos maiores, mal conseguia engatar a segunda marcha.
Quebrou? Agora sim!
Mas, o ponto alto dos passeios do Veteran, além do almoço, era quando uma moto quebrava. E sempre quebravam. Em alguns passeios eram quase uma dezena de quebras ou paradas no acostamento. Era um espetáculo à parte: todos paravam rapidamente e a moto era rodeada por um monte de gente já com ferramentas na mão. O dono mal conseguia ficar perto de sua própria moto: “é magneto, está sem faísca na vela”. “Nada disso, enroscou a agulha do carburador”… Era uma briga de diagnósticos, enquanto dezenas de mãos disputavam espaço para mexer no motor.
O fato é que as motos voltavam a rodar, para felicidade geral. Não me lembro de nenhum passeio que alguma moto, por mais antiga que fosse, tenha voltado rebocada ou, vergonha maior, de carona em algum caminhão-guincho.
Eu escrevia a história do passeio na Duas Rodas, destacava alguma nova moto velha (desculpe, antiga) que apareceu e era um programa perfeito: trabalhava e me divertia.
Quando eu não podia ir e não havia nenhum repórter disponível, pedia para o Caldeira mandar umas fotos e a gente se falava por telefone na segunda-feira para construir a matéria. Nesse caso, o Caldeira, sempre madrugador, ligava para redação antes mesmo de eu chegar.
Um certo domingo, não consegui ir no passeio do Veteran e quando cheguei na redação, nada do Caldeira ligar. Esperei e logo depois do almoço liguei: “e aí Caldeira, como foi o passeio?”
“Uma merda”, responde o desolado Caldeira, que raramente usava palavrões.
“Como assim, teve algum acidente, qual foi o problema?”
“Você não vai acreditar, nunca aconteceu isso”, responde o Caldeira.
“Mas, o que houve?
Diz o Caldeira: “Nenhuma moto quebrou. Todas foram e voltaram funcionando bem. Foi o passeio mais sem graça da minha vida. O gostoso não é só passear. É consertar moto no acostamento e ter assunto para o almoço”.
Com o falecimento de Caldeira, o Veteran, do qual foi fundador e sempre Presidente, passou por um período difícil, mas agora esta revivendo graças aos meios digitais, principalmente no Facebook.
Nota da redação: Agradecemos ao Paulo Bambirra que enviou as fotos para ilustrar essa coluna. Aliás, o Bambirra também teve muita ligação com o Sr. Caldeira e era chamado de “Babá do Caldeira”. Mas essa é outra história que, em breve, ele contará por aqui.
Se você tem menos de 50 anos, provavelmente eu comecei a ter moto antes do seu pai conhecer sua mãe. Isso ocorreu quando eu tinha 12 anos e consegui uma cinquentinha Mondial italiana ha mais de seis décadas. Fui parar na engenharia Mauá, de moto é claro, e fiquei anos dividido entre a engenharia e o jornalismo. Quando fui convidado para lançar a revista Duas Rodas, lá em 1974, acabei optando por ser um dos primeiros escribas especializados em motos. Fiquei na Duas Rodas durante quatro décadas. Quantas motos tive: centenas. Quantas motos testei: milhares. Quantos km já rodei: Milhões. Mais importante que esses números é o prazer de rodar, viajar, fuçar, tirar cacos velhos da UTI e com as motos encontrar paz e alegria, mesmo nos momentos mais complicados da vida.
Final dos anos 90? Tenho a coleção DRM de 1980, o clube já existia. Tinha uma matéria sobre a subida da serra.
Que texto gostoso de ler!!! Muito bacana, MESMO!!!
kkkkkkk passeio com imprevistos e com emoção, sem imprevistos nso tem graça kkkkkkk nem que seja um cálculo errado da autônomia de combustível , com aquela apagadinha no meio da estrada, até virar a torneirinhs pra reserva…kkkkk
sensacional, motocicleta e contemplação e viajar não somente nas estradas mais em todo conteúdo que vai de um simples apertar de parafusos ao viver o vento na face em uma rodovia