Kawasaki ZX-12R – um teste à moda antiga

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“Além de ser uma irresponsabilidade é um péssimo exemplo”

@joaobarrosbarreto

“Pra que arriscar desse jeito? Pneus detonados. Você com certeza tem muita experiência, lembro de suas aventuras com a R1. Mas é prudente não arriscar mais. Depois faz um relato pós revisão dessa máquina. Afinal não rodou só em estradas boas, né? Deve ser uma moto muito robusta”

@Eduardo Oliveira

Levei um pito

Ao chegar em casa, depois dos últimos 650 km de viagem sob intensa chuva e frio, li algumas mensagens como essas acima e pensei: “xiii fiz uma cagada! Não devia ter publicado em redes sociais a foto do estado que chegou o pneu da Kawasaki ZX-12R, com os arames pra fora ao final da viagem.”

Diferente do “mundo cor de rosa” que as redes sociais apresentam, com muitos retoques e filtros, pessoas felizes, carros milionários, iates e vidas perfeitas… Há 20 anos, quando comecei na Revista Duas Rodas como piloto de testes, fazíamos as viagens-teste e as publicávamos no melhor estilo “a vida como ela é”.

A vida como ela é

Durante os cerca de 6 ou 7 anos em que permaneci naquela posição, me especializei nas motos de minha preferência – as esportivas (embora tivesse testado diversas big trails e até um viagem de Bros até Ribeirão Preto, para ajudar no teste de longa duração da revista.

Eu praticamente me recusava quando o amigo e editor Cicero Lima me pedia pra “dar uma voltinha e escrever sobre a moto”, eu gostava mesmo de colocar a bunda na moto e viajar pra valer. Teste pra mim era de 2.000 km pra cima. Eu confesso, não tinha habilidade e sensibilidade suficiente pra escrever sobre a moto depois de ter dado apenas uma voltinha. Eu queria saber quais eram os perrengues do modelo, como ela se comportava a noite, na chuva, de dia, nas curvas, na reta, na retomada, na ultrapassagem, se possível na terra também. Queria conhecer sua autonomia em diversas situações. Afinal, pensava eu, o usuário não iria usar a moto em uma voltinha no quarteirão, como estaria a bunda dele depois de dois ou três tanques de combustível seguidos?

E assim foi, entre viagens com a minha YZF-R1 e as motos de teste da revista, que eu me divertia fazendo o que mais gostava (gosto): andar de moto.

Mas como disse, não havia esse “filtro do mundo politicamente correto e cor de rosa”, e a gente publicava o que acontecia, se acelerava até os 240km/h na Regis Bittencourt, a gente publicava “no retão o ponteiro lambeu os 250 km/h” e assim por diante.

“não importando se quem pagou quis ouvir”

Milton Nascimento / Fernando Brant

Como Milton Nascimento cantava em “Nos bailes da vida”, a gente não se importava muito se quem pagou quis ouvir – traduzido pro mundo moderno, não importavam os “likes”. Nos meses subsequentes a publicação da matéria na revista, recebíamos cartas (isso mesmo, cartas, daquelas com selo e carteiro entregando) elogiando, ou ao contrário, sentando o pau na matéria… Mas o dever estava cumprido, moto devidamente testada e publicada.

Mas e o teste da 12?

O teste da Kawasaki ZX-12R saiu meio que sem querer. Eu havia comprado a moto em Porto Alegre e precisava trazê-la pra SP. Cotei frete por transportadoras especializadas em motos, e o custo estava alto, por conta do aumento do diesel etc. Então bati o olho no preço de passagem de avião e havia uma promoção: bora voar pra Porto Alegre e trazer a ZX pra casa rodando.

Só que…

Não ia ter graça alguma pegar a BR-101 e subir por pista dupla até a capital paulista, abri o mapa e comecei a futricar opções, eu tinha quatro dias de alforria (em casa e no trabalho) e resolvi desenhar um roteiro cheio de curvas. Algumas serras que eu já havia feito outras vezes desde 1995, mas não todas em sequência, na mesma viagem. Além disso, inclui no roteiro a Serra da Rocinha, a única delas que eu não conhecia e queria passar por lá há bastante tempo.

Resultou em um roteiro quase que 100% em pistas de mão simples, contando com alguns bons trechos de terra, o que seria ideal para relaxar, conhecer a nova moto e aproveitar a viagem de volta pra casa. Ficou assim:

Serra da Rocinha

Serra do Rio do Rastro

Serra do Corvo Branco

Morro da Igreja

Serra da Dona Francisca

Serra do Rastro da Serpente

A moto estava ótima. O céu azul logo pela manhã indicava um dia perfeito para viajar, deixar Porto Alegre pra trás e despedir-me da capital gaúcha ali no Monumento do Laçador foi muito legal.

Depois de alguns poucos quilômetros entre avenidas largas e rodovias de pista duplicada já me encontrava na região de Taquara, onde a paisagem rural e rodovias de pista simples, embora muitas delas bem cuidadas, me acompanhariam pelos próximos 1.100 km desse trajeto.

A ZX-12R 2000, despedindo-se de Porto Alegre, ao lado do Laçador

A Serra da Rocinha

Algumas horas mais tarde estava na cidade de São José dos Ausentes, situado a 1.200m de altitude, é uma das cidades mais frias do país.

Uma placa sinalizava “Fim da estrada”! E na boca comecei a sentir um sabor de aventura. Na realidade a estrada não terminava ali, apenas se tornava de terra (com muitas pedras soltas e pontudas), sinal que estava me aproximando da beira dos cânions, na esperada Serra da Rocinha.

A Serra da Rocinha, que liga os municípios de São José dos Ausentes, RS a Timbé do Sul, SC está sendo pavimentada há alguns anos. É uma obra complexa, tanto que algumas curvas tiveram que ser feitas sobre viadutos, pois não há espaço na montanha para acolher a rodovia.

Embora em processo de pavimentação, em seu trecho superior (cerca de 10 a 15km) a benfeitoria ainda não existe, e foi justamente ali, antes de descer a serra, que o pneu traseiro da ZX-12R furou. Quando saí de Porto Alegre, ele se encontrava em bom estado, aparentando ter pouco menos de meia vida, mas o suficiente para chegar em São Paulo. “Só que não”, e isso fomos descobrir mais a frente.

Esqueci de me dizer que, já que estava sozinho, resolvi fazer como nos velhos tempos, enfiar a roupa toda (2 camisetas, 2 cuecas, escova de dentes etc) sob o assento do garupa da moto. Assim foi feito. O Tênis (velho) que usei pra ir de avião até Porto Alegre e a bermuda (já furada) que me serviu nesse voo, foram propositalmente deixadas no hotel na capital gaúcha. Então, com o diminuto espaço sob o assento lotado, não preciso dizer que não havia compressor, kit de reparo de pneus etc. não é mesmo? Que mancada!

Assim, com o pneu traseiro furado, sem lenço nem documento, a alternativa era descer cuidadosamente a Serra da Rocinha, procurando ao máximo deslocar o peso pra dianteira (usando o freio dianteiro e jogando o corpo pra frente), poupando ao máximo o pneu traseiro desse desgaste. Durante a descida, fui me informando com colaboradores da obra na estrada e soube que lá embaixo haveria borracheiro disponível.

O jipe do padre fez um furo no pneu…

A musiquinha ficava latejando em minha cabeça, cantei com o A, com o E, com o I, com o O e claro, quando fui fazer “U jupu du pudru fuz u furu nu punu” me matei de rir sozinho, antes de berrar “u pudru su fuduuuuuuu”

Em um misto de ansiedade pra chegar logo ao borracheiro e a malemolência que aquelas paisagens me trazia. Fui descendo, curtindo e pilotando mal e porcamente, por mais 22 km até chegar ao “Seu Zé”, o borracheiro.

Pra simplificar a vida resolvemos colocar “macarrão” pra dentro do pneu, e segui viagem. Obrigado “Seu Zé”!

O trecho que liga a pequena Timbé do Sul a Lauro Muller é bem chatinho, ainda mais sob a chuva torrencial que caiu. Foi assim que passei ao redor de Criciúma, com trânsito e muita chuva, mas rumando à famosa Serra do Rio do Rastro. O tempo melhorou e proporcionou uma subida do “Rio do Rastro” muito agradável. Já lá em cima, hora de procurar hospedagem e alimentação, pois a barriga roncava já ao cair do sol.

Encontrei com o Jaime, proprietário da Churrascaria Cascata e do Hotel Rota 12, foi super acolhedor, parecíamos ser amigos de 20 anos nos reencontrando, me ajudou com a hospedagem e preparação pro dia seguinte na estrada.

A informação veio mais tarde, que a subida da Serra do Corvo Branco estava fechada, então, resolvi ir até Urubici por cima do planalto mesmo (linda estrada) e de lá subir o Morro da Igreja e Pedra Furada, e em seguida ir para a “racha” do Corvo Branco pelo lado de cima. Da mesma forma que eu, centenas de turistas, ciclistas, motociclistas fizeram. Ainda foi possível descer um bom trecho da Serra a partir dali e entender a razão do fechamento – o asfalto, de fato, encontra-se em péssimo estado.

Pane Seca

Mas não podia ser simples assim: A moto apesar de ter 22 anos de idade, a minha experiência com ela era de apenas 500 e poucos… E foi assim, não conhecendo exatamente a posição do marcador de combustível, que senti o motor falhar na estrada entre Bom Jardim da Serra e Urubici, pouco antes de chegar a Urubici. Sorte que há uma grande descida antes de chegar a pequena cidade, e, depois de ter me dado conta da pane seca, consegui aproveitar a banguela por cerca de 6 km, ainda entrar na cidade embalado meio que saltando lombadas, e por sorte, parei há poucos metros do posto.

Jipe do Padre novamente?

A viagem seguiu, mas outra surpresa pelo percurso. Ao chegar em Mafra, SC no final do dia, senti a moto um pouco “mole”, era o pneu traseiro que, não havia furado, mas perdia um pouco de ar lentamente pelo macarrão colocado pelo Seu Zé.

A segunda constatação foi um pouco mais complicada, o pneu que parecia estar bom em Porto Alegre, já começava a mostrar que não queria seguir viagem, começou a descamar.

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Assim estava o pneu antes de sair de Mafra, SC. nos últimos 650km ele ficou aos pedaços (confira na próxima imagem)

A frente fria (que chegou em SP no primeiro dia do outono) vinha com muita chuva. Pneu vazando, borracha acabando e muita chuva pela frente: a opção foi abortar a Serra da Dona Francisca e o Rastro da Serpente (ambas que já conheço muito bem de outras datas) e subir pela Regis Bittencourt mesmo, caminho mais curto e com opção de guincho caso necessário.

Ultimo trecho da viagem, cerca de 650 km, foi bem cansativo, a chuva não deu trégua, variando de intensidade. A pilotagem tinha que ser “na ponta dos dedos” pois sabia que não haviam mais sulcos no pneu traseiro para aderir ao asfalto molhado. Assim foi, com cuidado, com calma, sem abusar dos comandos de acelerador e freio, que no meio da tarde estava em casa. Ao descer da moto, notei o estado do pneu, e foi a tal foto que postei e causou nas redes sociais…

De fato, peço desculpas aos seguidores, em especial ao João Barros e ao Eduardo Oliveira que me puxaram a orelha (com razão). A ideia não foi dar exemplo, nem incentivar pessoas a fazerem o mesmo, foi apenas o DNA de um aventureiro que em algumas situações aflora, e, como expliquei depois, pneu nas medidas da ZX-12R são incomuns (200/50 r17), no domingo estava tudo fechado, mesmo que aberto, possivelmente não o encontraria a pronta entrega – como já havia passado por perrengues muito maiores com pneus com a R1 no Peru e em Ushuaia, sabia que tinha condições de seguir, com muita cautela. E assim foi feito.

…mas não era pra ser o teste da ZX-12R?

Hahahahaha… Me empolguei contando da viagem que foi sensacional e me esqueci que era pra fazer o teste da moto. Então, vai de forma resumida aqui, pois a esse ponto o leitor já deve estar mais cansado que eu no final da Regis… Por estar muito acostumado com as concorrentes, então em alguns tópicos a comparei com Hayabusa (ja tive 3) e Blackbird (tenho 1):

POSIÇÃO DE PILOTAGEM – sem duvida a ZX-12R é a mais esportiva das três motos. A posição exige mais do piloto, cansa. Em minha opinião a CBR1100XX e a GSX1300R tem uma posição mais “touring”, inclusive para o garupa.

CONSUMO – o consumo médio ficou na faixa dos 15,8 km/l. Considerando que foi um trecho composto por muitas serras, mais de 70% do trajeto realizado em estradas de pista simples, achei coerente.

MOTOR – muito musculoso, sem a menor dúvida. Empurra forte desde os mais baixos giros, permitindo retomadas em última marcha desde os 50km/h sem engasgos. Se é o mais forte dos 3? Eu arriscaria dizer que sim, parece ser um pouco mais nervoso e torcudo do que o da Hayabusa. Já em comparação a XX sem duvida Suzuki e Kawasaki a superam em desempenho.

CICLISTICA E FREIOS – irretocável.

PONTOS NEGATIVOS – não que seja um pênalti, mas usando a gente percebe algumas falhas…. a moto conta com pisca alerta, muito bem localizado e muito bom, mas… não tem o imprescindível lampejador de farol alto.

A difícil escolha

Aos meus 20 e poucos anos, se eu tivesse que escolher entre as 3 rainhas da velocidade, teria escolhido pela Kawasaki ZX-12R, mas, agora, com taxas menores de testosterona no sangue e o “juizometro” mais ajustado, me aproximando dos 50 anos, penso que minha escolha ficaria entre o conforto da Hayabusa e a incrível suavidade da Blackbird

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E assim ficou o pneu no final da viagem… motivo justo para receber puxões de orelha da família e também dos seguidores.

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Um comentário sobre “Kawasaki ZX-12R – um teste à moda antiga

  • Muito legal mesmo. Muito lugar bonito nesse sul brasileiro.

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