O que faz uma YZF-R1 na minha garagem?

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Como surge o amor por determinado modelo de moto? Talvez o desempenho, o design… mas no meu caso foi algo inusitado, sem querer e com o perdão da expressão, na mais pura “porra-louquice”, ela se tornou meu passaporte para grandes conquistas e me levou a ser piloto de testes da Revista Duas Rodas…  andei muito rápido com ela, mas essa história gosto de contar bem devagar, então se ajeita aí no sofá…

A primeira matéria publicada na Revista Duas Rodas – o Vira Mundo!


Nasci trail 

Com a XL250R depois de ter chafurdado na lama.
Nos anos 1980, época de minha adolescência, no Brasil as trails dominavam o cenário. As grandes “four” haviam envelhecido, pois a importação estava proibida, e a febre eram as DTs, XLs, Montesas, Agrales, Ténérés… o campeonato mundial de Cross tinha etapa no Brasil e isso colaborava muito, alimentava nossos sonhos. O Rally Paris Dakar (aquele africano..lembra?) mexia com nossas lombrigas, então desde sempre andei em motos trail..  
Cresci Trail
Aí nos anos 1990 descobrimos que nossos carros eram carroças e começaram a aparecer aqui motos incríveis.  A Yamaha XTZ 750 SúperTénéré foi minha opção, afinal de contas 750 era um número mágico quando se fala em capacidade cubica de um motor. A moto era “do Paris Dakar”, o desempenho se assemelhava a o de uma Honda CBX 750F.  O que mais queria eu?  Me lembro claramente em uma viagem pra Ribeirão Preto, quando superei os 200km/h pela primeira vez – números de “gente grande”.   Ah esqueci de contar, antes dela tive uma Yamaha XT 600Z 1988 com a qual um dia pensei: “vou até a Argentina com essa moto!” – com ela não consegui ir, mas o importante é que a semente estava plantada. 
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Na Serra da Canastra, MG com a XTZ750!  Essa moto conheceu muitos parques nacionais comigo.
Já havia rodado por alguns estados brasileiros com minha XTZ, mas a fantasia de ir além da montanha continuava latente. 
E quando me dei conta… estava em uma esportiva!
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Chegando ao Uruguai com o amigo André Gomes,
ele na XTZ750 e eu de Kawazaki Ninja 900

Meu primeiro casamento terminou, era final dos anos 1990 antes da virada do milênio, e com a separação minha Super Ténéré foi embora!   Me irritei, e pensei: “ah agora é hora de matar o tesão e comprar uma esportiva”.   Comprei uma Kawa ZX-9R, curti demais e depois de destruí-la em um acidente próximo a Brotas, SP, comprei a Yamaha YZF R1.   A R1 era uma coqueluche, um mito quando foi lançada (até hoje é), havia fila de espera pra por a mão naquela moto, cobravam ágio… toda aquela situação que os mais jovens não imaginam que existiu por aqui.  Mas dei sorte, tinha um amigo que tinha um amigo que era dono de uma concessionária e que me arrumou a moto. E lá fui eu em uma sexta à tarde pegar a R1 em SP.   Ela era tudo que a ZX podia oferecer e e muito mais.  Não era adrenalina… era nitroglicerina pura!!!

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Abastecimento em um posto da Regis Bittencourt… na época, totalmente em pista simples, A Rodovia da Morte!
Mas como assim? Das trails sonhando com cordilheira pras esportivas “tiro rápido”?
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Com a R1 esses foram alguns dos caminhos percorridos (em 18 meses)!!!
É pois é meus amigos, a R1 nos primeiros meses já havia se tornado uma grande companheira de aventuras, isso mesmo.  Descobri que com aquela moto eu era capaz de rodar mais de 1.000km por dia – posso dizer, bem mais!  Aí começaram a falar de um tal de Iron Butt por aqui e eu fiquei me coçando, até por a R1 na estrada e fazer o primeiro (em 2001 fui dos primeiros a fazer no País). Achei gostoso, fiz outro, e outro mais. 
Mas o sonho da cordilheira… continuava latente! Até que em um final de ano tive 30 dias de férias, a Argentina estava em ebulição politica e econômica, com “panelaço” e “curralito” (dinheiro retido nos bancos). O povo foi pra rua, estradas interrompidas (com “miguelitos” pra furar pneus) e eu de partida, não apenas pra cordilheira mas pra um destino mais “selvagem”… Ushuaia. 
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Foto tirada em um posto (que não tinha combustível) na ilha
da Terra do Fogo.

Naquela época não estava na moda ir pra lá, não haviam excursões, nem guias, nem carros de apoio, não havia sinal de celular, combustível era difícil e a pouca informação que havia era do boca a boca com quem tinha ido, ou alguma reportagem em revista.

Me recordo de ter falado com um aventureiro famoso da época e ele riu de mim:  “vai com isso aí?”  Olhando pra minha moto – eu disse – “sim, é a minha moto!” e rindo ele completou: “vai voltar de McDonnell Douglas DC-10 menino”

Essas palavras, aliadas a pouca informação (distorcida) nutriram esse menino.  Ah e tinha um detalhe, não gosto de viajar em grupo, minha viagem seria sozinho. 
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Cruzando a cordilheira, repare nas diminutas malas…
Foi assim que parti, com mapas de papel plastificados pra não molhar, com três pequenas malas que não tinham espaço pros sapatos, mas espaço de sobra mesmo sabe onde tinha? No compartimento da coragem! – recomendo a todo aventureiro que não economize nisso! 
Foi nostálgico quando, de madrugada ainda, nas ruas centenárias de pedra da minha cidade, eu via os casarios, as ruas e estátuas e ia com olhos pesados de lágrimas me despedindo daquilo tudo, com uma pontinha de desconfiança que talvez… não voltasse. 
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Uns chamam de Cordilheira dos Andes – gosto de simplificar e chama-la de “A montanha”.  Chame como quiser, é um
monstro sagrado!  Os argentinos do norte dizem “trepar na cordilheira” quando falam em subir por suas estradas…  Então,
adaptado para o português a moda do Diego… Trepar na montanha! – ahhh como gosto de trepar nessa montanha!
Como tinha aptidão a longas distâncias, não tive dificuldade em impor um ritmo de 1.000 km por dia e em poucos dias estava em Bariloche.  Descansei.  A moto ia muito bem e eu também estava curtindo.  Apesar de ser verão, não havia pego uma gota de chuva até então. De Bariloche a Rio Gallegos, pela Ruta 40 e cruzando o deserto, fiz em 1 dia apenas – 1.800 km.   Estava ansioso pra andar no rípio, encontrar-me com as altas latitudes.  E foi no dia seguinte que a brincadeira começou pra valer. Naquela época eram 300 km de rípio pra ir e outros 300 pra voltar, a partir de Gallegos até Ushuaia.  Pra complicar resolvi ir, entrando na grande ilha por “Estreito” e voltando por Pouvenir – Punta Arenas.

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Foi em 31/12/2001 que a primeira Superesportiva de que se teve noticia, que chegou a Ushuaia
Não vou dizer que foi moleza, mas o rípio que ia engolir minha moto, o vento que ia me fazer voar, a mula sem cabeça, o fogo que queimava no chão da terra do fogo e todas as outras entidades com as quais tinham me apavorado, não eram monstros. Dificuldades houveram sim, e muitas, caí no rípio, trinquei uma costela, o vento na Ruta 03 na volta era um absurdo, a cada carreta que passava meu pescoço sentia, aprendi a viajar sentado torto na moto pra compensar o vento (em um dos dias o vento atingiu 140km/h e saiu no jornal de Puerto Deseado). Pneus furados foram inúmeros. Mas lembra das palavras que me alimentaram?   Pois então, nada disso me fez chegar perto de um avião e embarcar a moto num DC-10.
O vírus estava instalado, assim, no mesmo ano voltei a cordilheira, em maio, pra fazer um desafio mais forte do Iron Butt – o Coast to Coast 30 – onde deveria cruzar do oceano Atlântico a Pacífico (ou vice versa) em menos de 30 horas cruzando 4 países.  Assim foi feito, em 26:40h depois de 2.700km no lombo da R1, cruzando cordilheira e fazendo a fronteira de 4 países, estava eu em Vina Del Mar comemorando uma grande conquista. 
E teve mais…
Nada desanimava, a Rodovia Belém-Brasília foi engolida em dois dias, pois sai de SP em um dia, dormi em Palmas,TO e na outra noite estava em Barreirinhas, MA.  Tudo com a aquela Yamaha R1 azul e seus quatro carburadores nervosos…

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Rodovia Belém-Brasilia, até hoje tem trechos péssimos como esse.
No final do ano seguinte, portanto hum ano após ter ido a Ushuaia, resolvi encarar Atacama e Machu Picchu de uma vez.  E lá fomos nós, R1 e eu. A subida da cordilheira (Paso de Jama) era toda de rípio. Lembra que citei que a Argentina estava em ebulição política? Pois imagine que a manutenção das estradas de rípio foi deixada em segundo plano, mas a R1 não reclamou de escalar a cordilheira. Não havia GPS, não havia manopla aquecida, era alimentada por carburadores (nervosos), que subiram aos 4.800m de altitude sem encher muito o saco, estava equipada sim, com uma determinação absurda! E assim foi. Pela primeira vez “atolei” no rípio.  Isso mesmo, era tanto rípio fofo em uma poça que a moto ficou parada em pé e eu consegui dela descer, sem que caísse.

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Trepando novamente na montanha, agora rumo a Machu Picchu.
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O abastecimento as vezes é precário!
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A mão do deserto não era muito bem cuidada!
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Lugares onde uma superesportiva pode te levar!  
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Chegando a Cusco, eu e minha brava R1
Em cerca de 30 dias Machu Picchu e Atacama já haviam virado história pra aquela valente R1, com a qual completei 14 Iron Butt (de todos os tipos) e 100.000km rodados em 18 meses.  
Depois voltei a Ushuaia mais duas vezes (de Suzuki Hayabusa), Machu Picchu mais uma (via Acre ainda com subida de terra) e Atacama mais seis vezes.  Mas aí são outras histórias…
Uma R1 cai na vida
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A primeira matéria publicada, falava sobre a aventura de
Ushuaia e também sobre os onze (naquela época) certificados
de Iron Butt..

Foi assim que conheci o grande amigo Cícero Lima (na época era o editor da Revista Duas Rodas). Mas agora que você já entendeu o que faz uma R1 2001 carburada em uma garagem de motos clássicas, vou deixar com Cícero a palavra… ajeita aí na poltrona que lá vem história…

“Na revista Duas Rodas a seção Aventura é uma das mais famosas e importantes. Por muitos anos – quando não havia Internet – as viagens e os destinos eram consultados pelos leitores nas páginas da Revista Duas Rodas. Por conta disso sempre busquei publicar histórias legais e inéditas. Em um dessas buscas fiquei sabendo da história do Diego e suas andanças pelo mundo com a sua Yamaha R1.


O cara parecia um “doido” tamanha sua empolgação pelas viagens e falar sobre motos. Nos falamos por telefone e depois de um retorno de suas aventuras pela América do Sul eu fui até Atibaia (SP) participar de uma festa com seus amigos que foram recepcioná-lo. Sempre cheio de histórias e relatos legais, percebi que o Diego conseguia “conversar com as motos” e entendê-las. Mais que isso, conseguia transmitir tal conversa com o leitor. Para o pessoal da redação e para o leitor, isso era fantástico.

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Não havia internet com tantas informacoes, google-
maps e etc. As informações sobre as grandes aventuras
vinham pela revista.

Aos poucos fui passando as motos para a sua avaliação que sempre trazia detalhes que escapavam dos pilotos de teste convencionais. Na verdade o Diego viaja muito com as motos, não importa se era a noite, na chuva, se era perto ou longe. “Menos de 1.000 km eu nem vou” dizia ele.

Até de Bros

Não pense você que ele só viaja de moto grande. Já pedi que fosse de Atibaia até Ribeirão Preto, para avaliar uma Honda Bros 150, que estava em nosso teste de longa duração. Ele fez a viagem, claro que reclamou kkkkk, mas voltou com as impressões e o relato preciso. Estou escrevendo tudo isso para lembrar que a R1 foi muito importante nesse processo. Afinal, quem mais teria coragem de fazer as doideiras que ele fez com essa superesportiva da Yamaha.

Mas nós demos uma mancada: deixamos de abrir o motor e medir os desgastes daquela moto ao completar 100.000 km rodados. Seria uma matéria épica, uma pena pois a diretoria da Yamaha – na época – não topou fazer a matéria. O Diego e o meu amigo Santo Feltrin já tinham encarado o desafio. Uma pena, mas não podemos acertar todas.

Entendeu agora o motivo de termos uma R1 carburada na garagem? Ela não é a mesma R1 do Diego, é idêntica a ela. E representa o papel que aquela esportiva significou na vida de um motoqueiro e na história da Duas Rodas e seus leitores.”


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9 comentários sobre “O que faz uma YZF-R1 na minha garagem?

  • Comprei essa R1 em Campinas já vim rodando para o MS e rodei muitos km pelos encontros de moto por vários estados nunca me deu problema só Alegria

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  • Comprei essa R1 em Campinas já vim rodando para o MS e rodei muitos km pelos encontros de moto por vários estados nunca me deu problema só Alegria

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  • Oi Jeferson, isso mesmo! vendi a moto através da loja Wayne em Campinas, do Charlão! Me lembro que foi pra Campo Grande e se não me engano a ultima vez que falei contigo ela tinha rodado mais uns 30.000km. Foi bem contigo? quanto rodou com ela antes de vender? teve mais noticias da moto? queria reencontra-la!

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  • Oi Jeferson, isso mesmo! vendi a moto através da loja Wayne em Campinas, do Charlão! Me lembro que foi pra Campo Grande e se não me engano a ultima vez que falei contigo ela tinha rodado mais uns 30.000km. Foi bem contigo? quanto rodou com ela antes de vender? teve mais noticias da moto? queria reencontra-la!

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  • Oi Jeferson, isso mesmo! vendi a moto através da loja Wayne em Campinas, do Charlão! Me lembro que foi pra Campo Grande e se não me engano a ultima vez que falei contigo ela tinha rodado mais uns 30.000km. Foi bem contigo? quanto rodou com ela antes de vender? teve mais noticias da moto? queria reencontra-la!

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  • Tive uma R1 2008, azul e branca 0km, e já tive outras motos de outras marcas, mas a R1 num chão bom é extremamente ágil, o melhor desempenho batendo com folga suas rivais. Andei 1000 km em um dia indo para MG, mas confesso ela é cansativa.

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